terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A morte do Píer

Assisto desde ontem a lenta morte do píer, registro tudo, o píer da praia do Gonzaguinha em São Vicente...
Tirei fotos da máquina, que nem sei o nome, e que fura sem perdão o quê de concreto do moribundo. Ouço agora o angustiante tirar das ripas de madeira que o constituem, uma a uma, o píer chora, eu juro! Vigiei-o a noite, houve gente, adolescentes e bicicletas, a se despedir. Na vigília, não pude dormir direito e de manhã cedo quando a máquina começou a funcionar acordei mesmo tentando restar, mesmo sem levantar. O píer é como qualquer outra coisa que existe e morre lentamente... Estou triste por testemunhar, feliz por me despedir, mas vou ligar o som alto que as ripas, as costelas, arrancadas assim lentamente, gemem num murmurio insuportável, vermelho.
O píer morre e apesar de sua concretude, pedra e madeira que é, o devorar de sua existência é como de qualquer outro filho do Tempo.
O píer morre, é vermelho!
Lete cobra seu preço.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

#31

Olho para o teto do quarto que mantenho sempre sombreado, nunca ao sol, e penso na feira de amanhã, no cheiro de pastel e no ramo de flores brancas que trarei para casa. Além de todas as frutas e legumes que  puder enfiar no carrinho bonitinho, mas ordinário que não, nunca, escolhi. Só penso em comer, em urgentemente me nutrir, como se me faltasse o vermelho no corpo. Espero através da ávida e traidora boca absorver o inabsorvível alimento, que o louco amor, verme em mim instalado, pelo andar de qualquer carruagem, jamais poderá me dar... Sou toda mesmo imóvel no quarto sombreado, só posso ser, pois parace caber a mim, o punhal, a ferida e a horrorosa imortalidade. Havendo sangue por todo lado, permaneço sim, imóvel no quarto sombreado, pernas desengonçadas, cabelos loucos pelo travesseiro, olhos mortos ao léu, porém, tragicamente ainda viva, sencillamente te pregunto:
¿Cuantos piquetitos más?

Unos Cuanto Piquetitos,
Frida Kahlo.
 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

#30

Paralítica, paralisada, paraplégica, paralelepípedo no peito, chutado de uma vez...
Gigantes me pisam, repisam, enformam, engolem!
Pausa que nunca acontece enquanto é dia.
Enquanto respiro duro, é difícil.
Afasto todos.
Porque não tenho mais olhos,
Sou Cloto, Átropos e Laquésis...
Pitonisa viciada, a reclamar seus vapores!
Não raciocino direito...
Existem desertos eternos dentro de cada parte de mim insultada.
Envelheço!
Envelheço!
Com olhos gulosos de vida.
A pão e vultos de afeto, privados, raros, medíocres até, quase nada.
Envelheço mesmo em paralisia.
Sobrevivo apesar da tua gratuita violência.
Tenho azia.
Paralítica, paralela, pára-raios e muitos e muitos paralelepípedos chutados diretamente no peito depois...
Resta ele mesmo, surrado peito de nata branca, agora coalhada e tardia.
Respiro pelos sulcos.
Não sei como aguento.
Não sou.
Adoeço! Socorro!
Somente respiro a cada pedrada, a cada recomeço.
Não sou.
Adoeço! 
Somente paraplégica sigo.
Perdida até nas palavras.
Perdida até mesmo parada.